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9 de maio - 2023

Dias ruins e Epiteto

Dias ruins e Epiteto

Certo dia rascunhei no papel: “A vida se mostra como um destino incerto; um feixe de luz que não vem só para brilhar. São tantos caminhos, tantos percalços. Parece não haver rota de fuga, a não ser a serena vontade de não ter do que fugir”. Busquei esses escritos após assistir novamente ao documentário ‘Eu Maior’ e ouvir uma fala acalentadora de Rubem Alves, que diz: “cheguei aonde cheguei pois tudo que planejei deu errado, é a mais pura verdade”.

Gosto desta fala pois remete ao fato de termos muito pouco controle sobre a vida e sobre o que acontece ao nosso redor.

Uma sabia amiga uma vez disse: “não apresse o rio, ele corre sozinho” (em referência ao livro de Barry Stevens), mas querendo dizer: existem coisas que não conseguimos interferir, elas seguem o seu próprio leito, têm suas próprias curvas tortas, lentas, sinuosas. Isso me remeteu aos ensinamentos de Epiteto, que dizia que devemos aceitar com calma e de forma desapaixonada todos os eventos externos que estariam além do nosso controle. Conforme descrito no “Manual de Epictecto”, deveríamos aceitar com resignação tudo aquilo que não é o nosso próprio ato; como a nossa reputação, a economia, o futuro, nossos cargos, o que pensam de nós, nossos chefes, e por aí vai. Afinal, estariam todos fora do nosso controle…

No entanto, deveríamos ser mais responsáveis por uma área que estaria sob maior domínio nosso: as nossas próprias ações e os movimentos que fazemos em direção a algo. O que envolve o nosso desejo, as nossas crenças, os nossos valores, as nossas aversões e pensamentos.

Epiteto dizia que se você pensa que são suas aquelas coisas que são por natureza escravas (ou que estão sob o poder de outros), você sempre será prejudicado, estará lamentando e ficará perturbado. Ao mesmo tempo dizia que o desejo contém a vocação de obter aquilo que deseja. Ele só alertava para almejarmos ‘no presente’, pois se desejarmos aquilo que não está sob o nosso ‘poder’ (como o futuro), seremos infelizes.

No entanto, muitas vezes não conseguimos ficar calmos quando estamos no meio do redemoinho. Surgem os pensamentos turvos, a serenidade se vai. Temos dificuldade de nos afastar do problema para sentir que tudo aquilo tende a passar ou a se amenizar. Ansiamos pelo que não está no nosso controle: o horizonte claro, as trilhas definidas, os bons ventos. Talvez por isso o aperto no peito. Queremos rapidamente deixar de lado os pensamentos tempestuosos, o que acaba por nos afundar mais. Tínhamos que conseguir respirar fundo, nos acalmar. Pode ser importante a lição de viver um dia de cada vez, nutridos pelo vago desejo ausente de dias melhores.

Nessas horas, tente se lembrar de Epiteto (filósofo estoico, nascido escravo e que recorria à sua vida traumática para transformar o próprio bem-estar) para aceitar com mais calma o momento ruim. Pois, se desejarmos pelo controle do que não conseguimos mudar, podemos pular também importantes etapas de aprendizado pessoal. Ficaremos presos aos mesmos padrões, com dificuldade de assimilamos com ‘sabedoria’ a tempestade, as curvas sujas do rio, os nossos erros, os desconfortos, a dor.

Mas lembre-se: pode ser necessário ajuda, das mais variadas frentes.

Ao concluir esse pequeno texto lembrei também de um trecho da oração da serenidade, que diz: “Concedei-me a serenidade necessária para aceitar as coisas que eu não posso modificar, coragem para modificar aquelas que posso, e sabedoria para distinguir umas das outras”.

 

Autor: Felipe Moretti

Fonte utilizada:

– Dinucci, A. (2012). Introdução ao Manual de Epicteto. Editorial Prometeus, terceira edição.

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